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Falta de transparência na divulgação de dados de vacinas é obstáculo para a cobertura jornalística



Jornalistas têm enfrentado obstáculos na cobertura sobre estudos clínicos de vacinas realizados no Brasil e sobre a produção nacional de imunizantes. O assunto foi discutido em uma reunião aberta promovida pela RedeComCiência no fim de junho com o tema “A importância na transparência na divulgação dos dados sobre vacinas”. Jornalistas de diferentes veículos compartilharam situações em que a qualidade da cobertura jornalística foi ameaçada por causa da falta de transparência das instituições que fazem pesquisa sobre vacinas no Brasil. A confusão na divulgação de dados científicos e a falta de transparência dificultam a missão jornalística de aumentar a confiança nas vacinas e, assim, colaborar com a saúde coletiva.


Ausência de dados brutos nas divulgações

Um dos exemplos citados pelos jornalistas foi a divulgação dos dados preliminares da CoronaVac pelo Instituto Butantan. Em coletiva de imprensa realizada no dia 7 de janeiro, o Instituto Butantan anunciou que a vacina tivera 78% de eficácia em testes feitos no Brasil. No decorrer da entrevista, pouco a pouco os jornalistas conseguiram esclarecer que a vacina era eficaz em 78% dos casos leves da doença que precisavam de atendimento médico. Na mesma coletiva, foi informado que o imunizante mostrou 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou que precisam de internação hospitalar. Porém esse número não era estatisticamente significativo.

Por causa do imediatismo da cobertura, a notícia já tinha sido disparada nas redes antes de esses dados ficarem claros. A imprensa saiu da coletiva com dúvidas sobre os cálculos que levaram aos dados apresentados por Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan. Como registraram os repórteres Fabiana Cambricoli, Bruno Ribeiro e Priscila Mengue, do jornal O Estado de S.Paulo, em reportagem na mesma data:

“(…) De acordo com Dimas Covas, foram registrados 218 casos de covid entre os voluntários, dos quais cerca de 160 ocorreram no grupo que recebeu placebo e pouco menos de 60, entre os vacinados. Considerando esses números, o índice geral de eficácia seria de 63%. A diferença deste dado para os 78% apresentados não foi explicada pelo Butantã, mas o instituto ressaltou que ‘o estudo é complexo e permite a apresentação detalhada por tipo de caso’, ou seja, de acordo com a gravidade do quadro. Segundo o Butantã, ‘o foco da coletiva foi voltado ao impacto da vacina na pandemia e o quanto ela evitará a progressão da doença grave’.”

Na mesma coletiva, não foram divulgados dados importantes como o intervalo de confiança, o esperado índice geral de eficácia e o número de infectados de acordo com o perfil etário. Sem a apresentação dos dados brutos, nem a imprensa nem os pesquisadores tinham meios para saber o que esperar exatamente da vacina.

Somente na semana seguinte à primeira divulgação dos dados, após pressão da imprensa e de cientistas, é que o Butantan convocou nova coletiva de imprensa para apresentar os dados de eficácia global da vacina.


Informações exclusivas e incompletas

Outro exemplo citado pelos jornalistas foi o caso da divulgação dos resultados do estudo com a CoronaVac realizado na cidade de Serrana (SP). Resultados parciais da pesquisa foram divulgados com exclusividade pelo Fantástico no dia 30 de maio. O furo jornalístico é parte da nossa atividade e comemoramos quando algum colega consegue obter uma informação com exclusividade. Porém, no caso das informações deste estudo pioneiro, tratavam-se de dados públicos de interesse coletivo com impacto na definição de políticas públicas para populações em meio a uma pandemia. Sendo assim, questionamos essa opção por oferecer exclusividade na divulgação da notícia endossada pelo governo de São Paulo no que tange a um assunto de forte interesse público.

O grande problema foi que o Instituto Butantan não disponibilizou os dados completos do estudo imediatamente após esse furo. Os jornalistas de outros veículos ficaram reféns das informações divulgadas pelo Fantástico e não puderam fazer o devido escrutínio antes de publicar suas matérias. A coletiva de imprensa só aconteceu no dia 31 de maio, ao meio-dia, quando os dados anunciados no domingo à noite já varriam a internet. Um dos princípios do bom jornalismo é que não se deve republicar dados sem checar com a fonte ou em um documento da instituição geradora da informação para atestar sua veracidade.

O fato de situações como esta terem se repetido ao longo desta pandemia faz com que pareça uma estratégia pensada para confundir a imprensa, para que se divulgue somente as informações que são de interesse para as instituições, inibindo qualquer cobertura aprofundada e crítica.

É difícil saber em qual instância foi decidida a estratégia de divulgação dos dados preliminares do estudo de Serrana. Sabemos que essa questão envolve motivação política e que pode não ser de responsabilidade dos indivíduos que atuam nas assessorias de comunicação dos institutos. Não se trata aqui de uma busca por culpados, mas do reconhecimento dos riscos e do impacto das escolhas feitas por aqueles que definem tais políticas para a comunicação sobre os estudos das vacinas. Em um contexto em que a vacina em questão é alvo permanente de declarações desfavoráveis e informações falsas por parte do presidente da República, essa confusão na divulgação e a falta de transparência podem estar afetando a credibilidade e a adesão às vacinas.


Dificuldade de acesso a dados sobre produção de vacina

Outra queixa que surgiu durante o encontro foi em relação à falta de transparência da Fiocruz em relação a seus planos de produção de vacina.

A atitude da Fiocruz durante a pandemia já foi descrita como “opaca” por um pesquisador com longa experiência em laboratórios internacionais. Para os jornalistas, foi mais que opacidade. O jornalista José Fucs, do Estadão, fez um levantamento minucioso das metas e resultados que a Fiocruz alterou incessantemente, em manobras de comunicação que confundiram em vez de esclarecer.

Além de ter sido, e de continuar sendo, muito difícil obter informações com a Fundação, os jornalistas notaram o que pareceu ser um plano para manusear as informações, que incluiu pressão sobre a direção das empresas jornalísticas. A cada questionamento à Fiocruz sobre o atraso na entrega da vacina e, depois, sobre as sucessivas revisões no número de doses produzidas, seguia-se uma entrevista de Marco Aurelio Krieger ou de Maurício Zuma, diretor de Bio-Manguinhos, certamente solicitada como “resposta”, porém sem responder às questões.

Em O Globo, a primeira matéria de página inteira sobre os planos da Fundação foi da repórter Audrey Furlaneto, publicada em 4 de julho de 2020, logo após o anúncio de que seria formalizado um acordo com a AstraZeneca, fechado em agosto. Informava que, de acordo com Zuma, o primeiro lote, de 15,2 milhões de doses, seria finalizado em dezembro e outro, em janeiro de 2021.

Como se sabe, não foi isso que aconteceu. A primeira leva foi entregue somente em março, e a quantidade foi muito menor que a prometida. Além disso, após o estardalhaço acerca da fábrica de imunizantes em Santa Cruz, em terreno doado pelo governo do estado e festejado em mais de uma cerimônia, pouco se sabe acerca do andamento da obra e do desenho do projeto, que ficou a cargo da Ambev, com doações de outras empresas privadas.

Ao longo de todo o processo, a Fiocruz admitiu apenas um problema numa máquina de fechamento dos frascos de vacina, no dia 8 de março de 2021, que estaria atrasando a produção.


Dilema dos jornalistas

Diante de episódios de falta de transparência como os aqui relatados, os jornalistas se vêem em um dilema pelo medo de que apontar falhas e fazer críticas possa significar dar munição a argumentos anti-vacina. De que modo pode ser feita essa crítica e sua discussão para que aconteça a escuta interessada por parte de quem maneja as estratégias de divulgação das vacinas envolvendo institutos públicos no Brasil durante a emergência global em saúde que estamos vivendo e o confronto cotidiano à desinformação?

É possível implementar mudanças que melhorem essa comunicação para que ela seja mais transparente e efetiva? Uma coisa é certa: necessariamente, precisamos de interlocutores que consigam perceber a extensão do dano provocado por essa comunicação fragmentada, feita intencionalmente ou não.

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