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A história da Associação Brasileira de Jornalismo Científico

A recente criação da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência) é uma boa oportunidade para apresentar um breve resgate da história da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, a ABJC, criada em 1977 por iniciativa principal de José Reis, médico, pesquisador, educador e jornalista, reconhecido desde então como o patrono do jornalismo científico no Brasil.


A ABJC teve uma trajetória de 36 anos marcada sobretudo pela realização de congressos, debates e eventos por todo o país, que contaram com o envolvimento de centenas de jornalistas, professores, estudantes, e pesquisadores dedicados ao jornalismo e à divulgação científica.


A associação atravessou um período de grande transformação do jornalismo e da divulgação científica no Brasil e no mundo, devido principalmente ao advento das novas tecnologias de comunicação, ao desenvolvimento de tecnologias de ponta em vários setores, à biotecnologia, aos avanços na genética, aos debates científicos que surgiram sobre as mudanças climáticas e questões ambientais em todo o globo. Não é demais dizer que a ABJC participou, ao longo desse período, de boa parte desses debates apresentados pela imprensa brasileira e internacional, tanto por meio de encontros profissionais quanto acadêmicos nas dezenas de eventos que organizou ou participou. Contamos aqui um pouco dessa história.


O início

Em 19 de setembro de 1977, na cidade de São Paulo, um pequeno grupo de jornalistas preocupados em divulgar a ciência e a tecnologia e democratizar o conhecimento na área reuniu-se para criar a Associação Brasileira de Jornalismo Científico, desde o início chamada de ABJC. Dois fatores marcantes contribuíram para que esse grupo de 15 jornalistas (confira os nomes no final do texto), todos profissionais e intelectuais reconhecidos na época e atuantes na imprensa, tomassem a decisão de fundar a ABJC.


O primeiro foi a atuação destacada de José Reis, que também foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), quase 30 anos antes, em 1948. Além de outras finalidades, a SBPC foi criada com a preocupação de discutir a função social da ciência, como lembrou o próprio José Reis em entrevista concedida à autora deste artigo, em maio de 1985. Estas palavras bem resumem a maneira de pensar e agir que marcaram toda sua vida.


“Atualmente vejo que é comum o cientista estar conscientizado de seu papel social e em grande parte a SBPC teve papel muito importante nisto. Quando a fundamos em 1948, o Maurício Rocha da Silva, o Paulo Sawaya, o Gastão Rosenfeld e eu discutimos muito essa questão e decidimos incluir entre as funções da SBPC a necessidade de se criar ou difundir tal consciência social entre os cientistas brasileiros. O que não entendo é um cientista desvinculado da sociedade e da política, no bom sentido que esta última palavra pode ter. O cientista verdadeiro precisa ter a noção de que a ciência que ele faz, seja a ciência pura, aparentemente desvinculada de qualquer relação, ou a ciência aplicada, que muitas vezes nasce da ciência pura e outras vezes a inspira, essa ciência, em última análise, deve ser feita tendo em mente uma função social para atender ao bem estar da humanidade.” (entrevista na íntegra aqui)

J. Reis, como ficou conhecido por causa da coluna científica que escrevia semanalmente na Folha de S.Paulo desde 1947 até o fim de sua vida, em maio de 2002, nasceu no Rio de Janeiro em 12 de junho de 1907 e formou-se em 1930 pela antiga Faculdade Nacional de Medicina. Quando retornou de um período como bolsista do Instituto Rockefeller, nos EUA, J. Reis foi trabalhar no Instituto Biológico de São Paulo, onde ficou até aposentar-se em 1958. Desde então passou a dedicar-se integralmente ao ensino e à divulgação científica. O reconhecimento ao seu trabalho no Brasil foi expresso pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), quando em 1979 criou o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, ainda hoje o principal prêmio concedido a jornalistas, divulgadores e centros de pesquisa por trabalhos relevantes no campo da divulgação científica. Posteriormente, diversas iniciativas voltadas para a área têm sido inspiradas no riquíssimo legado deixado por ele. O acervo pessoal e grande parte de sua obra está hoje disponibilizada no Instituto Oswaldo Cruz, instituição onde especializou-se em microbiologia no início de sua carreira científica. Esse material pode ser acessado aqui.


Outro fator que influenciou a criação da ABJC foi o movimento de formação de outras associações semelhantes na América Latina, que começaram a despontar em vários países a partir da década de 1970. A primeira de que temos notícia foi criada em 1971 com o nome de Círculo de Jornalismo Científico da Venezuela. O primeiro presidente foi o jornalista Aristides Bastidas, então reconhecido no país como um destacado repórter de política, e que voltou-se para o jornalismo científico como forma de burlar a censura imposta pela ditadura que se instaurou no país a partir de 1948.


Bastidas, por sua vez, foi influenciado pelo jornalista espanhol Manoel Calvo Hernando, fundador da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico (AIAPC, hoje extinta). Calvo Hernando encontrou Bastidas em Medellín, na Colômbia, em 1969, e lá juntos organizaram o primeiro Seminário de Jornalismo Científico no país. Posteriormente surgiram associações na Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia, e no México, que, como a ABJC, tiveram um período de duas a três décadas de franca atividade e, aos poucos, foram desaparecendo. Observamos que grande parte dessas associações sobreviveu graças ao esforço e empenho pessoal de alguns poucos jornalistas, que ao deixar as entidades nem sempre conseguiam encontrar outros colegas dispostos a dar continuidade ao trabalho.


Eventos marcantes

Desde o início de sua fundação, a ABJC passou a promover e participar de congressos seminários, debates, palestras, cursos, visitas técnicas a instituições de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, com o objetivo de promover e incentivar a divulgação da ciência e da tecnologia no Brasil.


Entre os principais eventos estão os Congressos Brasileiros de Jornalismo Científico (CBJC), com 10 edições no total; o IV Congresso Ibero-Americano de Jornalismo Científico, realizado em São Paulo em 1982, em conjunto com o 1º. CBJC; sessões organizadas pela ABJC em quase todas as reuniões anuais da SBPC, e diversos encontros estaduais e seminários promovidos em todo o País.


O primeiro CBJC realizou-se em São Paulo em setembro de 1982, juntamente com o Congresso Ibero-Americano e contou com a presença de 300 participantes de diversos países ibero-americanos. Durante o segundo CBJC, em outubro de 1989, também em São Paulo, o estatuto da associação foi modificado para adequar a entidade às demandas crescentes dos sócios e interessados. A partir desse ano ficou estipulado que deveria ser promovido periodicamente um congresso de âmbito nacional, de preferência a cada dois anos. Os quatro congressos seguintes (Santos, 1991; Campinas, 1994; Belo Horizonte, 1996; e Florianópolis, 2000) seguiram as modificações feitas no segundo e o número de trabalhos inscritos passou de 14, na terceira edição do congresso, para 190 na quarta., oriundos de 13 diferentes estados brasileiros, demonstrando o crescimento do interesse na área.


Cooperação internacional

Em outubro de 1992. foi realizado em Tóquio, no Japão, a primeira Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência (WCSJ) que contou com a participação de cerca de 1000 jornalistas de todo o mundo. A ABJC foi representada por esta autora e, durante o evento, foram estabelecidas relações com colegas representantes de associações de vários países, o que abriu caminho para o Brasil sediar 10 anos depois, em novembro de 2002, a terceira Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência. Essa conferência, a única ocorrida em um país da América Latina até o momento (a 11ª. acontecerá em julho de 2019, em Lausanne, Suiça – veja aqui), foi realizada em São José dos Campos, São Paulo, em conjunto com o 7º. CBJC.


Esses dois eventos em 2002 contaram com a participação de mais de 500 jornalistas do Brasil e de diversos países, e mobilizaram cerca de 1000 pessoas entre profissionais do jornalismo, professores, pesquisadores e estudantes. Foi realizada uma exposição com estandes montados pelas principais agências de fomento, instituições de pesquisa, universidades e algumas empresas de tecnologia brasileiras. A ABJC contou com o apoio e patrocínio da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), que sediou os eventos, o CNPq, a Fapesp e o Conselho Britânico.


Durante a realização dessa terceira conferência mundial foi criada a Federação Mundial de Jornalistas de Ciência (World Federation of Science Journalists – WFSJ) e a ata de constituição da entidade, que hoje reúne associações de jornalismo científico de todo o mundo, foi redigida e aprovada em São José dos Campos, SP, em assembleia realizada ao final do evento.


Colegas e apoio institucional

O que manteve a ABJC viva e atuante durante os seus 36 anos de história foi, sobretudo, o empenho e a dedicação sistemática de alguns poucos jornalistas que acreditavam muito na importância da entidade como força representativa do jornalismo e da divulgação científica no Brasil. Outro fator foi o sempre presente apoio e incentivo de instituições como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. A ABJC, que nunca teve uma sede física, reuniu-se por alguns anos na sede do Sindicato, e mais tarde passou a utilizar o espaço da SBPC, também em São Paulo. Nessas duas entidades aconteceram vários eventos organizados em conjunto com a ABJC, como seminários, palestras, e mesas redondas nas reuniões anuais da SBPC.


Entre os possíveis motivos que aos poucos foram enfraquecendo a ABJC, certamente o mesmo voluntarismo e boa vontade que unia os jornalistas que a ela se dedicavam, também dificultaram a implantação de uma infraestrutura administrativa mínima para cuidar dos assuntos legais e burocráticos da associação. Nunca foi possível, por exemplo, montar um sistema eficaz de mobilização de sócios e cobrança de anuidades.


A participação atuante dos principais interessados nas associações profissionais, como era o caso da ABJC, acontecia sobretudo durante os eventos que eram realizados. Os apoios financeiros chegavam das agências oficiais para a promoção desses eventos, mas o dia a dia da entidade dependia sempre da disponibilidade dos poucos envolvidos diretamente.


O protagonismo do jornalismo científico brasileiro representado pela ABJC no curso de sua história nos faz crer que o surgimento de uma nova entidade que é a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência é uma excelente oportunidade para um resgate do reconhecimento pela área, e pelo avanço da democratização da ciência no Brasil. Acreditamos que a mobilização e participação ativa de sócios e demais membros será fundamental para o crescimento da nova rede.


Em breve, um livro

Há poucos meses a jornalista, professora e pesquisadora Graça Caldas, sempre atuante na ABJC, teve a bela ideia de escrevermos em conjunto um livro contando a história da ABJC. Nessa obra, que deverá ser lançada em 2019, pretendemos reunir artigos dos principais colegas jornalistas de ciência que foram atuantes na ABJC, tanto ocupando cargos diretivos, como trabalhando informalmente pela entidade.


O livro também irá incluir um histórico detalhado sobre a história da ABJC com relatos sobre os congressos e outros eventos, e sobre os contextos profissionais e acadêmicos do jornalismo científico no Brasil entre 1977 e 2013.


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Fabíola de Oliveira foi presidente da ABJC entre 1990 e 1991, organizadora da 3ª. Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência (2002) e membro fundadora da Federação Mundial de Jornalistas de Ciência.


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1 – Jornalistas fundadores da ABJC:

Abram Natan Jagle; Andrejus Korolkovas (cientista); Cecília Maria Zioni Beting; Demócrito de Oliveira Moura; Ethevaldo Mello de Siqueira; Gastão Thomaz de Almeida; José Hamilton Ribeiro; José Reis (primeiro presidente); Júlio Abramczyk; Laércio Gonçalves da Silva; Marco Antonio Filippi; Milton José Blay; Perseu Abramo; Rubens Barbosa de Mattos e Silvio Raimundo.


2 – Presidentes da ABJC e os Congressos realizados

– José Reis – 1977 – 1979

– Júlio Abramczyk – 1979 – 1987 (1º. Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico – CBJC – 1982, São Paulo)

– Wilson da Costa Bueno – 1988 – 1989 (2º. CBJC – 1989, São Paulo)

– Fabíola Imaculada de Oliveira – 1990 – 1991 (3º. CBJC – 1991, Santos)

– Roberto Pereira Medeiros – 1992 – 1994 (4º. CBJC – 1993, Campinas)

– Randau Marques – 1995 – 1996 (5º. CBJC – 1996, Belo Horizonte)

– Jorge Pereira – 1997 – 1998

– José Hamilton Ribeiro – 1999 – 2000 (6º. CBJC – Florianópolis, 2000)

– Ulisses Capozzoli – 2001 – 2002 (7º. CBJC – 2002 – São José dos Campos, em conjunto com o 3ª. Conferência Mundial de Jornalistas de Ciência – 3rd. WCSJ)

– José Roberto Ferreira – 2003 – 2006 (8º. CBJC – 2005 – Salvador)

– Wilson da Costa Bueno – 2007 – 2008 (9º. CBJC – 2008 – São Paulo)

– Cilene Victor – 2009 – 2010 (10º. CBJC – 2010, Belo Horizonte)

– Mariluce Moura – 2011 – 2013


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Texto publicado originalmente no Observatório da Imprensa: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/ciencia-no-brasil/a-historia-da-associacao-brasileira-de-jornalismo-cientifico/

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